MENU

Rosa Cardoso: "Anistia não deve ser aplicada a quem cometeu graves violações dos Direitos Humanos"

Rosa Cardoso, da CNV, rebate informações divulgadas pela grande imprensa e afirma que Comissão recomendará responsabilização por crimes de lesa-humanidade

Publicado: 10 Dezembro, 2014 - 00h00

notice

A advogada Rosa Cardoso, integrante da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e coordenadora do Grupo de Trabalho “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical”, rebateu nesta segunda (8) informações divulgadas pela grande imprensa e afirmou que o relatório final da Comissão incluirá propostas de responsabilização civil, criminal e administrativa de todos os agentes públicos que colaboraram com o golpe e sustentaram o regime militar e também a não aplicação de dispositivos concessivos de auto-anistia.
"Há 114 trabalhadores urbanos que podemos dizer que foram assassinados, além de massacres e indução ao suicídio. Por tudo isso, nós queremos justiça e reparação, não nos contentamos apenas com a verdade", disse a advogada durante o Ato Sindical Unitário, em São Paulo, para a entrega oficial das recomendações dos trabalhadores à CNV.
Em referência à matéria publicada neste domingo na Folha de S. Paulo, na qual o advogado Pedro Dallari haveria destacado que a Comissão não fará recomendações sobre a revisão Lei da Anistia, Rosa afirma que a posição oficial da Comissão, em seu relatório - que será divulgado em Brasília, na quarta-feira (10) – é recomendar que não se aplique anistia a quem praticou crimes de lesa-humanidade, numa linguagem semelhante à sentença do Araguaia. A advogada também lembra que é preciso culpabilizar as empresas privadas pelo apoio dado à ditadura.
“As empresas não podem ser autoras porque não são pessoas físicas em nossa legislação”, afirma Rosa. “Mas há o caminho da reparação civil. A responsabilização que existe em debate sobre a Lei da Anistia é para os agentes do Estado. Agora, nós estamos falando de uma responsabilidade das empresas pela cumplicidade com os agentes públicos”. São 25 empresas que constarão no relatório, segundo a coordenadora.
Segundo a procuradora do Ministério Público Federal e presidenta da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, Eugênia Gonzaga, a decisão do STF que reafirma a Lei da Anistia precisa ser repensada à luz de uma decisão interamericana.
“A decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos disse que a Lei da Anistia vale, no Brasil, para os crimes praticados pelas pessoas contra o governo vigente e para todos aqueles atos que não se caracterizam como grave violação aos Direito Humanos. Em 1988, o Brasil assinou uma constituição brasileira em que diz que se submete às decisões dos tribunais internacionais em matéria de direitos humanos”.
Ou seja, para a procuradora, há margem para a responsabilização de agentes públicos e privados pelas repressões na Ditadura. Desde a primeira carta de direitos humanos assinada pelo Brasil, o país já se posiciona contra a violação de direitos humanos, afirma Eugênia. “Ao menos para ocultação de cadáver deve haver responsabilização. Porque é um crime que não prescreve”.
Ao longo de quase dois anos, o GT “Ditadura e Repressão aos Trabalhadores e ao Movimento Sindical” fez um trabalho em sintonia com a Comissão Nacional da Verdade, finalizando com o relatório e as recomendações. Segundo Rosa Cardoso, das 43 recomendações do GT, 18 foram incorporadas pela Comissão Nacional da Verdade.
“Exigimos que este esforço seja traduzido no relatório final da CNV, principalmente no que diz respeito à justiça e reparação a partir do resgate da memória histórica que apontou o significado golpe e repressão contra os trabalhadores, com graves violações, prisões arbitrárias e ilegais, torturas, execuções, demissões, intervenções em sindicatos, cassação de mandatos, além de toda uma legislação anti-trabalhista”, apontou Expedito Solaney, secretário de Políticas Sociais da CUT.
Solaney completou dizendo que a Comissão da Verdade da CUT entregará seus resultados no Congresso da Central de 2015.
Daqui em diante
Para o deputado estadual Adriano Diogo, presidente da Comissão da Verdade paulista "Rubens Paiva", a Comissão é um sucesso e sua principal consequência foi a ampliação do debate sobre o período ditatorial no Brasil.
“Quando começou o processo da comissão, nós discutíamos que havia tido um golpe militar. Depois ampliamos para golpe civil-militar, golpe empresarial-civil-militar e, hoje, é discutida a questão do ponto de vista dos trabalhadores”, destacou. Segundo ele, isso simboliza a compreensão, por parte da sociedade, de que a articulação em torno do golpe foi muito mais ampla do que os militares.
A procuradora Eugênia Gonzaga destaca o papel da mídia. Para ela, não se pode admitir qualquer resquício que pactue com a quebra do principio democrático. E a não culpabilização de empresas que apoiaram a ditadura as deixa à vontade para continuar apoiando medidas antidemocráticas. “A Folha de S. Paulo colaborou ativamente com a ditadura, inclusive cedendo veículos. Por conta de não se falar, pela impunidade, ela solta um editorial chamando a ditadura de ditabranda. Hoje estamos à volta de uma imprensa que não é imprensa, é partido”, afirma a procuradora. “Nós precisamos ter respostas jurídicas, democráticas, sem atentar contra os princípios democráticos”.
Os próximos passos, segundo a procuradora, será redirecionar os processos sobre o assunto para as regionais da procuradoria, sob recomendação de responsabilização dos que cometeram crimes de lesa-humanidade.
Segundo Rosa Cardoso, o relatório gerará muito interesse ao redor do mundo, principalmente por parte da Organização das Nações Unidas (ONU), da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de ONGs internacionais. Isto, pelo papel central do Brasil na América Latina e no mundo. “As cortes de todo o mundo vão querer ter a cópia de um relatório sobre a ditadura no Brasil”, afirma.
Após a entrega do relatório para a presidenta Dilma Rousseff, todo o material ficará disponível para consulta no Arquivo Nacional. O Ministério Público pretende, ainda, construir um Museu da Democracia com o conteúdo.
Requerimento ao MTE
As centrais sindicais assinarão um requerimento ao Ministério do Trabalho para que seja feito um levantamento das intervenções nos sindicatos entre os anos de 1946 a 1988. Com isso, as entidades pedem providências acerca das violações contra trabalhadores no período.
Como ação simbólica, os primeiros a assinarem o documento foram os três fundadores ainda vivos do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), Raphael Martinelli, Clodesmidt Riani e Paulo de Mello Bastos. Como porta-voz, Martinelli afirma que a responsabilização de empresas que apoiaram a ditadura é necessária para que elas percebam que há consequências quando se atenta à Democracia. “A democracia está esperando de nós. Estamos em uma democracia que não é, ainda, a que nós queremos, mas é a que permite nos expressarmos e nos organizarmos para uma melhora na qualidade da democracia”.