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Professores defendem suspensão de aulas presenciais em SP: 116 escolas municipais têm casos de Covid-19

Educadores relatam problemas de estrutura, falta de álcool em gel e ventilação. Apenas 12 unidades tiveram aulas suspensas pela prefeitura

Publicado: 03 Março, 2021 - 16h30

Escrito por: Bárbara Muniz Vieira

Sindsep/SP
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Fachada de escola na Zona Norte lembra o luto pela morte de uma professora por Covid-19

Em meio ao recorde de casos de internados com Covid-19 e lotação das UTIs, parte dos professores da rede pública de São Paulo defende a suspensão das aulas presenciais. Segundo eles, as escolas não têm estrutura para funcionar com segurança e evitar a contaminação de alunos e funcionários.

Desde a abertura das escolas municipais no dia 15 de fevereiro, 116 unidades registraram casos da doença, de acordo com um levantamento do Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo (Sindsep). Foram 335 entre servidores e alunos e dois óbitos confirmados por causa do novo coronavírus.

A Secretaria Municipal de Educação, porém, confirma que apenas 12 escolas tiveram aulas suspensas. Funcionários acreditam que haja subnotificação, já que muitas vezes os profissionais precisam fazer os testes sem o auxílio do estado e não há registro das suspeitas.

Na rede estadual, apenas na primeira semana de volta às aulas, de 8 a 12 de fevereiro, houve 77 registros de infecção confirmados, segundo o Sistema de Informação e Monitoramento da Educação para Covid-19 (Simed) da Secretaria Estadual de Educação (Seduc-SP).

 

 

A explosão de casos foi um dos motivos para os servidores entrarem em greve. Um levantamento do sindicato mostra que, das 4.054 escolas do município, mais da metade possui funcionários que aderiram à paralisação dos trabalhos.

Na terça-feira (2), um grupo de professores protestou na frente da Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste. Eles pediram o retorno das aulas presenciais com garantia de segurança sanitária nas unidades, testagem para Covid-19 para trabalhadores da educação e estudantes, vacinação para todos, readequação das escolas e recomposição do quadro de servidores.

No mesmo dia, o secretário estadual da Saúde, Jean Gorinchteyn, defendeu a suspensão das aulas presenciais para evitar a circulação de pessoas, o que contribui para a propagação do vírus.

Trabalhadores da educação protestaram na terça-feira (2) em frente à na Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste, para exigir retorno das aulas presenciais com a garantia de segurança sanitária nas unidades — Foto: Sindsep/DivulgaçãoTrabalhadores da educação protestaram na terça-feira (2) em frente à na Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste, para exigir retorno das aulas presenciais com a garantia de segurança sanitária nas unidades  — Foto: Sindsep/Divulgação

Trabalhadores da educação protestaram na terça-feira (2) em frente à na Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste, para exigir retorno das aulas presenciais com a garantia de segurança sanitária nas unidades — Foto: Sindsep/Divulgação

Entre os educadores, as reclamações se repetem. Todos os que foram ouvidos pela reportagem salientaram que as escolas não têm estrutura para evitar a disseminação do vírus. Os professores pediram para não serem identificados nem terem suas escolas citadas por receio de sofrerem retaliações. Veja os principais pontos:

 

  • As salas são pequenas e não é possível manter 1,5m de distanciamento social se o número permitido de alunos (35%) frequentar as aulas presenciais;
  • O álcool gel fornecido pelo governo do estado é de qualidade inferior, gruda na mão e não seca. “Tem de tirar o excesso na roupa”, afirma um professor.
  • As máscaras fornecidas pelo estado são de um tecido de má qualidade. Se o professor quer uma máscara mais específica, tem de comprar com dinheiro do seu bolso. Na rede municipal, as máscaras também são de tecido e nem todas as escolas receberam, de acordo com uma professora da rede;
  • Faltam professores. Com aos profissionais do grupo de risco afastados, menos professores puderam voltar às aulas presenciais. Nas creches é impossível manter o distanciamento social em uma sala de aula com sete crianças de menos de 1 ano e um professor;
  • As escolas não possuem ventilação adequada. “Nunca trabalhei em uma escola que tivesse ventilação adequada. Geralmente são janelas de palhetas e várias palhetas não abrem direito”, afirma um professor de uma escola estadual no interior do estado. Na rede municipal, o problema se repete. “Nossos prédios são antigos, construídos em uma época que não havia preocupação com ventilação. Uma reforma disso não é fácil de ser feita. Para ajudar, tem escolas que já estão sem álcool em gel. Vão esperar as pessoas morrerem primeiro?”, questiona uma professora da Zona Sul da capital.
  • Há também casos de escolas que não há professores do grupo de risco e todos voltaram a trabalhar presencialmente. O problema é que não há, portanto, professor para manter as aulas do ensino à distância para 65% dos alunos que não frequentarem as aulas presenciais. Em algumas escolas o equipamento que seria usado nas aulas presenciais para transmitir à distância chegou, mas não foi instalado. “Se o professor vai dar aula no presencial, quem vai dar aula à distância? Eles sabem que isso seria um problema, quem vai dar aula para quem está em casa se o professor está na escola? Não nos dão resposta, É tudo mentira, mambembe e mal planejado”, desabafa uma professora.
  • Não há um protocolo claro do que fazer em caso de casos de Covid-19 nas escolas, de acordo com os professores e o sindicato dos servidores. Em algumas escolas, são afastados por 14 dias o funcionário infectado e quem teve contato com ele. Outras escolas são totalmente fechadas quando há um caso. “Em algumas situações somente o caso suspeito ou confirmado foi afastado. Não há uma diretriz e orientação central, cada Diretoria Regional de Educação age de uma forma”, afirma Maciel Nascimento, secretário dos trabalhadores da Educação do Sindsep (profissionais da educação municipal) e membro do Comando Unificado da Greve da Educação.

 

Auditório da EMEF Jean Mermoz, na Chácara Inglesa, Zona Sul de SP, tem apenas uma janela — Foto: Arquivo pessoalAuditório da EMEF Jean Mermoz, na Chácara Inglesa, Zona Sul de SP, tem apenas uma janela — Foto: Arquivo pessoal

Auditório da EMEF Jean Mermoz, na Chácara Inglesa, Zona Sul de SP, tem apenas uma janela — Foto: Arquivo pessoal

Na creche em que ela trabalha, havia quatro funcionários de limpeza, mas com a mudança de contrato que definiu o número de funcionários por metro quadrado, ficaram apenas três.

“Não é suficiente para uma escola onde as crianças ficam 10 horas por dia, fazem cinco refeições e lidamos com secreção o dia todo. Não temos quem faça a higienização de colchonetes e dos brinquedos individuais. O protocolo diz que eles podem ser usados desde que seja higienizado de uma turma para outra, mas como fazer isso com três funcionários de limpeza?”, questiona a coordenadora.

Mais de 500 creches municipais em todas as regiões da cidade de São Paulo não puderam retornar atividades presenciais no dia 15, como previsto inicialmente, porque não tinham funcionários de limpeza.

Funcionária limpa mesas para demonstrar medidas de limpeza para a volta às aulas na rede municipal de ensino de São Paulo, em evento da prefeitura na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) São Paulo, na Vila Clementino, em foto do dia 14 de janeiro. — Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDOFuncionária limpa mesas para demonstrar medidas de limpeza para a volta às aulas na rede municipal de ensino de São Paulo, em evento da prefeitura na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) São Paulo, na Vila Clementino, em foto do dia 14 de janeiro.  — Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO

Funcionária limpa mesas para demonstrar medidas de limpeza para a volta às aulas na rede municipal de ensino de São Paulo, em evento da prefeitura na Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) São Paulo, na Vila Clementino, em foto do dia 14 de janeiro. — Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO CONTEÚDO

 

Escolas sem luto

 

Uma das professoras que tem defendido a suspensão das aulas presenciais é Nelice Pompeu, que está em greve. Na sexta-feira (26), ela criou a página “Movimento Escolas sem Luto” em uma rede social e desde então já reuniu mais de 2 mil denúncias de servidores relatando casos de Covid-19 nas escolas de todo o estado.

“O tempo todo chegam casos de funcionários morrendo. Quando se perde alguém dentro de uma escola o sentimento é de pânico. E não há ninguém apontando soluções", afirma.

Página em rede social reúne denúncias de casos de Covid-19 em escolas — Foto: Reprodução/FacebookPágina em rede social reúne denúncias de casos de Covid-19 em escolas  — Foto: Reprodução/Facebook

Página em rede social reúne denúncias de casos de Covid-19 em escolas — Foto: Reprodução/Facebook

 

Reabrir com planejamento

 

Para Lígia Freire, professora de uma Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) da Zona Oeste, o momento é de fechar as escolas e planejar a reabertura com segurança.

"Ficar presos no falso dilema entre abrir bar ou escolas não acrescenta e não promove mudanças. Os professores estão com medo”, escreveu a professora em uma rede social na segunda-feira (2).

No texto, a educadora lembra que o isolamento traz sequelas para os estudantes, mas que é preciso nos preparar para lidar com elas.

"Aprendizagens não são recuperadas. Conteúdos podem ser, mas o tempo, a sociabilidade, as experiências e vivências na escola, não. Vidas também não. As escolhas aqui têm caráter de redução de danos. Deveríamos agora estar pensando nas estratégias pedagógicas de retorno com essas crianças. Qual o aprendizado que podemos tirar dessa experiência traumática? Usemos o desespero e angústia para construirmos o futuro. Ele não está dado, é preciso imaginação e trabalho”, opinou, salientando que o momento é de repensar e reinventar a escola.

Trabalhadores da educação protestaram na terça-feira (2) em frente à na Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste, para exigir retorno das aulas presenciais com a garantia de segurança sanitária nas unidades — Foto: Sindsep/DivulgaçãoTrabalhadores da educação protestaram na terça-feira (2) em frente à na Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste, para exigir retorno das aulas presenciais com a garantia de segurança sanitária nas unidades  — Foto: Sindsep/Divulgação

Trabalhadores da educação protestaram na terça-feira (2) em frente à na Diretoria Regional de Ensino do Butantã, na Zona Oeste, para exigir retorno das aulas presenciais com a garantia de segurança sanitária nas unidades — Foto: Sindsep/Divulgação

 

O que dizem Prefeitura e governo do estado

 

Em nota, a Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Educação (SME), disse que "foi impedida de apurar adequadamente as queixas específicas, uma vez que as informações essenciais, como os nomes das unidades, não foram informadas pela reportagem". O mesmo respondeu o governo do estado. Os nomes das unidades foram mantidos em sigilo a um pedido dos professores, por medo de retaliações.

Além disso, a prefeitura informou que investiu R$ 571 milhões em reformas e compra de equipamentos para garantir a retomada segura das atividades, sendo que R$ 274 milhões foram para reforma de 552 escolas e R$ 297 milhões através do Programa de Transferência de Recursos Financeiros (PTRF), para que as unidades realizassem o necessário para o retorno.

Também foram adquiridos 760 mil kits de higiene (sabonete líquido, copo e nécessaire), 2,4 milhões de máscaras de tecido, 6,2 mil termômetros digitais e 75 mil protetores faciais, que serão destinados a alunos e servidores, com investimento total de cerca de R$ 20 milhões, segundo a nota.

A prefeitura também disse que, nesta segunda-feira (1), iniciou o trabalho das “Mães Guardiãs”, que auxiliarão na fiscalização do cumprimento dos protocolos sanitários e de distanciamento social nas unidades de ensino municipais e receberão um benefício de R$ 1.155 mensais.

Segundo o governo do estado, para a retomada, a Seduc-SP adquiriu e distribuiu uma série de insumos destinados tanto a estudantes e servidores, como 12 milhões de máscaras de tecido, mais de 440 mil face shields (protetor facial de acrílico), 10.740 termômetros a laser, 10 mil totens de álcool em gel, 221 mil litros de sabonete líquido, 78 milhões de copos descartáveis, 112 mil litros de álcool em gel, 100 milhões de rolos de papel toalha e 1,8 milhão de rolos de papel higiênico.

Sobre os relatos de falta de ventilação nas unidades, as escolas que não estavam em condições de oferecer um retorno seguro aos alunos passaram por intervenções, diz o governo, e só são reabertas após análise da Vigilância Epidemiológica de cada município. Em 2020, as escolas estaduais teriam recebido R$ 700 milhões pelo Programa Dinheiro Direto na Escola de SP, verba que foi destinada para manutenção e conservação das unidades para a volta segura das aulas presenciais. Outros R$ 700 milhões foram liberados para os preparativos do ano letivo de 2021.