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Para transformar a sociedade, luta das trabalhadoras não pode se resumir ao sindicato

Em encontro nacional, lideranças feministas apontam caminhos e desafios para a igualdade

Publicado: 06 Agosto, 2014 - 00h00

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Um dos passos é colocar o dedo na ferida e mostrar que não há igualdade numa sociedade que se estrutura de maneira patriarcal e oprime as mulheres. O outro, firmar alianças com os movimentos sociais fora do sindicalismo. E o terceiro, conscientizar os homens para que também se reconheçam na luta contra a discriminação.
Não necessariamente nessa ordem, mas tendo esses eixos como base, a historiadora Glaucia Fraccaro e a coordenadora da Sempre Viva Organização Feminista, Nalu Faria, apontaram os caminhos para colocar em prática a luta pela equidade dentro e fora das organizações sindicais.
Ambas participaram nessa segunda-feira (4) do segundo módulo do Encontro Nacional de Mulheres da CUT, uma série que a Central promoverá para discutir a atualidade do feminismo e a luta das trabalhadoras. Estão previstos mais outras quatro atividades.
Em intervenções que tiveram como base a primeira (século 19 até início do 20) e a segunda onda do feminismo (1960 até os dias atuais), elas trataram dos primórdios da mobilização, que inicia pela defesa do voto das mulheres e segue até a organização autônoma e o combate à violência.
Nalu Faria defendeu a necessidade de as trabalhadoras empunharem uma pauta que articule a autonomia econômica com a transformação simbólica de valores.
“A igualdade passar pela mudança na cultura e na forma de organização. O elemento básico é a auto-organização das mulheres, por meio de secretarias, tendo sua agenda, pela promoção da mobilização. Mas, ao mesmo tempo, é necessário manter parceria com o movimento autônomo de mulheres negras, lésbicas, do campo e da cidade, porque isso é o que dá poder e pressiona pelos avanços”, defendeu.
Nesse contexto, para ela, permanecem como grandes desafios o direito das mulheres decidirem sobre o corpo e, em especial a discussão a respeito do aborto, e o enfrentamento à violência. “Se por um lado lutamos por nossa pauta, por outro vemos o aumento do conservadorismo. Isso faz com que várias situações ainda não estejam bem resolvidas e exijam de setores importantes como a CUT o apoio a esse embate”, disse.
Cotas – Nalu também observou que a ocupação dos espaços de poder permanece como eixo permanente de luta pela igualdade. Ela defende as cotas como forma de rompe com patamar de exclusão das mulheres e destacou que a paridade válida a partir da próxima direção da CUT é resultado da política de cotas que surgiu há 22 anos na Central.
Para Nalu, o aumento das mulheres em categorias predominantemente masculinas e nos espaços públicos, em especial na presidência da República, fez com que crescesse a confiança na organização. Um exemplo, cita, é próprio movimento sindical cutista. “Temos muitas mulheres presidentas das CUTs estaduais, mesmo sem existir uma política que imponha essa obrigação. O reconhecimento das mulheres para além dos movimentos sociais pressiona que os sindicatos sigam o mesmo caminho”, analisou.
Do voto á auto-organização – Muitas vezes relegada a segundo plano quando o assunto é o avanço do feminismo, a organização das trabalhadores foi fundamental para arrancar conquistas, observou a historiadora Glaucia Fraccaro.
“Foi a partir das mobilizações das operárias que conseguimos definir pontos na legislação trabalhista como a regulação do trabalho das crianças, que na época não se pensava em proibir, e das mulheres. Neste caso, a ideia de salário igual para trabalho igual entre os gêneros foi resultado de um decreto de 1934, do governo Vargas. Assim como a licença maternidade”, resgatou.
No período da primeira onda do feminismo, a luta era pelo direito ao voto, que chegou em 1933. Porém, outras batalhas daquele período permanecem, conforme salientou Glaucia, para quem a opressão do sistema capitalista faz com que muitas desigualdades ainda não tenham sido superadas.
“As mulheres ainda ganham 30% do que recebem os homens e a participação das trabalhadoras nos mais altos cargos de direção dos sindicatos não é realidade. Para superar isso, precisamos que o movimento sindical em sua totalidade incorpore a ideia de que não há socialismo sem feminismo. Avançar na luta por direitos às mulheres é avançar na luta contra o capitalismo e isso move a sociedade, porque quem pauta a formulação política é o movimento social”, definiu.
Mulheres pelas mulheres – Já na segunda onda feminista, que começa nos anos 1960, o ambiente de contestação não atingiu apenas valores como a sexualidade e o consumismo do período pós-guerra, mas também a própria esquerda.
“Os homens eram revolucionários na rua, nos sindicatos e partidos, mas opressores em casa e mulheres não tinham voz. O feminismo ressurge também com crítica à organização da esquerda, dos partidos e sindicatos e com ideia de autoconsciência. O movimento deveria se representar horizontalmente, sem hierarquia”, lembra Nalu Faria.
Neste sentido, ela lembra que a criação, em 1986, da Comissão da CUT sobre a Questão da Mulher Trabalhadora rompe com o princípio defendido por muitos de que essa “divisão” iria enfraquecer a classe trabalhadora.
O verdadeiro golpe veio mesmo na década de 1990, com o surgimento do neoliberalismo. Naquele momento, diz Nalu, o capitalsimo coopta o discurso feminista ao abordar a ideia de diversidade, de multiculturalismo, em forma de conferências que a Organização das Nações Unidas (ONU) propôs para debater agendas como o enfrentamento à pobreza. Ao privilegiar esses encontros, há uma diminuição dos espaços próprios para o movimento feminista, avalia.
A guinada só veio no final daquela década, quando aumenta a resistência na América Latina com a eleição de governos progressistas e a retomada do fôlego pelos movimentos sociais.
Em período eleitoral, um resgate histórico que leva à reflexão sobre quais caminhos o feminismo pretende seguir.
Fonte: CUT Nacional