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Histórias do lar: trabalhadoras domésticas e a luta por igualdade de direitos

Congresso Nacional já foi palco de idas e vindas da categoria em busca de avanços na legislação

Publicado: 19 Agosto, 2014 - 00h00

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Por trás dos números, conceitos e artimanhas políticas para diminuir direitos das trabalhadoras domésticas, está em jogo a dignidade de quem sofreu para construir a história de uma profissão muitas vezes invisível, mas fundamental para a economia brasileira.
Algumas são mais antigas no movimento, outras chegaram há pouco. A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos de Nova Iguaçu, Nair de Castro Lima, 76, está na primeira turma. Ao mexer na bolsa, localiza um recorte do jornal Valor Econômico, de junho de 1987, onde aparece em uma foto com outras três companheiras. Eram apenas quatro domésticas, mas andavam tanto pelos corredores do Congresso Nacional que pareciam mais. “Só empregadas domésticas havia mais de cem”, inicia a reportagem sobre a luta pela Constituição de 1988.
Na profissão desde os 9 anos, como a maioria que ingressa ainda criança, ela filiou-se em 1965 à então associação de domésticas, que depois se tornaria o sindicato de Nova Iguaçu, e lembra como eram as viagens até a capital federal.
“Na época, vínhamos para Brasília e púnhamos trabalho em cheque, porque muitas vezes o patrão não queria liberar. De 1985 até 1988, a gente morou um pouco nas creches do Guará (região do Distrito Federal), em cima dos papelões, porque não tinha onde ficar. A Benedita (Benedita da Silva, deputada federal pelo PT-RJ) costumava hospedar na casa dela as meninas que tinham problemas de saúde. Ficávamos até altas horas no Congresso e não votavam. Até que chegou o grande dia. Ali conseguimos férias, licença maternidade, direito de fundar sindicatos.”
Durante 48 anos, Nair foi doméstica, 37 deles na mesma casa. A patroa estranhava que ela não se considerava da família, como as amigas. “E não era mesmo. Dizia para minha patroa ‘sou negra, tenho sobrenome diferente, não faço parte da sua herança e trabalho para ter um salário.”
Sobre a recente emenda das domésticas que gerou apreensão entre as trabalhadoras, ela é objetiva. “Embora a gente é mandada desde 1973, mas só vai avançar na medida em que a categoria tomar consciência da sua capacidade de luta.”
Renovação e gênero
Paula Neto, 34, está na outra ponta da gangorra em que se encontra Nair. Presidente do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas de Bagé e Região, ela começou a trabalhar aos 16 anos e não parou mais.
A indignação diante da exploração das jornadas de até 16 horas foi o que a fez procurar a CUT no estado e, um mês após a PEC das Domésticas ser aprovada, ela fundava o sindicato.
Como a organização não tem recursos para que possa se afastar do trabalho, no tempo livre faz faxina cuida de criança e de idosos. Tudo para não abandonar a causa. “O movimento é bonito e acho que temos de aprender a ser unidas como as categorias maiores. Esse é o meu pensamento”, defende.
Numa categoria em que a esmagadora maioria é do sexo feminino, o baiano Francisco Xavier de Souza, 40, chama a atenção. Mas se o gênero não é comum na profissão, a história se assemelha a milhares de mulheres.
Logo aos 10 anos, foi trabalhar e morar com uma família rica de Salvador. Em troca, os patrões mandavam uma pequena quantia à mãe e se comprometeriam com os estudos. Sem estudar e ainda vítima de maus tratos, deixou o lugar e foi morar com outra família, com quem está até hoje, já registrado como empregado doméstico.
Contra a vontade da patroa, uma professora universitária, resolveu estudar, depois da vergonha de que sentiu ao mal conseguir assinar o nome na dispensa do serviço militar. Conseguiu concluir o segundo grau, além de cursos técnicos e de tirar a habilitação.
A vida sindical começou há oito anos, após ouvir uma entrevista no rádio da presidenta licenciada da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, Creuza Oliveira. “Eu me apaixonei pela luta e pela possibilidade de poder mudar e acabar com exploração que também sofria”, lembra.
Hoje secretário geral da Fenatrad e diretor do departamento social do Sindicato das Trabalhadoras Domésticas da Bahia, Francisco conta que um dia já sentiu vergonha de dizer qual era sua profissão, mas a situação mudou quando compreendeu o valor da sua função social.
“Depois que entendi a importância do meu trabalho, percebi que sem mim minha patroa não poderia dar aula na faculdade e meu patrão não poderia ir para o escritório. Se nós conseguimos um grau de organização para fazer uma paralisação, não vai ter médico no consultório, advogado no escritório e nem político na assembleia. Isso mostra o poder que temos se nos unirmos”, alerta.
Fonte: CUT Nacional