Escrito por: Brasil de Fato

Entenda como o Fundeb ampliou o acesso à educação e o que está em jogo no Congresso

Com previsão de encerrar ao fim deste ano, parlamentares decidem pela permanência ou não da política de financiamento

Reprodução da Internet

Em vigor desde 2007, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) é uma das poucas políticas públicas que seguiram em frente em meio às mudanças de governo ao longo dos anos, algo raro em um país como o Brasil, onde a inconstância ainda dita o ritmo desse tipo de ação estatal.

A relevância da política pode ser medida em números: somente no ano passado, por exemplo, o Fundeb canalizou um montante de cerca de R$ 165 bilhões para estados e municípios. Formado por um conjunto de outros 27 fundos, ele engloba os 26 estados e o Distrito Federal, financiando 40% da educação básica da rede pública no país. Isso inclui desde creches até o ensino médio, abarcando ainda a Educação de Jovens e Adultos (EJA) – somente o ensino superior não entra na conta.   

O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, sublinha que a criação do Fundeb foi a primeira vez, na história do país, em que surgiu uma política de financiamento para toda a educação básica. Ele realça que um dos pontos de relevância da medida está no acolhimento de modalidades específicas, como a educação voltada a pessoas com deficiência, indígenas, quilombolas e ainda a educação do campo.   

“E o Fundeb teve a capacidade de obrigar o governo federal a investir substancialmente na educação básica, coisa que não acontecia antes. O governo fazia o mínimo possível. Ele dava ordens, mas não colaborava e, com o Fundeb, passou a colaborar. Ainda é pouco, mas já foi um primeiro passo”,  acrescenta o coordenador, destacando os atuais 10% de participação da União no fundo.  

A legislação vigente determina que pelo menos 60% dos recursos totais do Fundeb devem ser destinados anualmente à remuneração do magistério, o que inclui os professores que estão em sala de aula e os profissionais que exercem funções de suporte, como diretores, coordenadores, supervisores pedagogos, etc.  

Os outros 40% devem ser aplicados em ações de manutenção e desenvolvimento da educação. O rol de possibilidades abrange desde despesas com equipamentos e instalações até o aperfeiçoamento dos profissionais, passando ainda pela compra de material didático, transporte e merenda escolar, entre outros serviços considerados essenciais à rede de ensino.

O universitário Caio Sad, 20, estudou durante uma década em uma escola pública do município de Cabo Frio (RJ). Ele conta que acompanhou de perto as melhorias que a unidade foi apresentando com o tempo ao longo da implementação da política, com maior aquisição de livros, investimento em quadra de esportes, realização de eventos, entre outras iniciativas. “Eu me lembro da escola e imagino que a maior parte daquela estrutura não existiria se não fosse o financiamento do Fundeb”, diz.  


 

Em geral, os entes federados apontam que a política é essencial sobretudo para os municípios, que, em sua maioria, não obtêm uma arrecadação no nível necessário à manutenção da folha de pagamento e da estrutura do setor de educação.

“Eu diria que o Fundeb tem uma importância extraordinária fundamentalmente como garantidor de um padrão mínimo de receitas, pra que eles possam seguir elevando os indicadores educacionais e de aprendizagem”, ressalta o governador da Bahia, Rui Costa (PT), presidente do Consórcio do Nordeste.

O grupo está entre os que hoje fazem coro pela continuidade da política, que foi criada com data prevista para acabar e por isso só tem garantia de vida até 31 de dezembro deste ano. O tema está em debate na Câmara dos Deputados, que discute atualmente a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 15/15, relatada pela deputada Dorinha Rezende (DEM-TO). O texto prevê a conversão do fundo em uma política pública perene e com ampliação dos recursos. A PEC deve ser votada nas próximas duas semanas, segundo o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Caso a medida não seja aprovada este ano, uma parte das escolas públicas pode chegar a fechar as portas. Para Rui Costa, o cenário seria algo “desastroso”. É o que destaca também a secretária de Educação de Araraquara (SP), Clélia Mara Santos, município para o qual o fundo destina R$ 90 milhões anuais.   

“O Fundeb é fundamental. Parece redundante dizer isso, mas não é. Ninguém tem de pronto, por exemplo, no nosso caso aqui, mais de R$ 90 milhões que nos sustentem”, afirma a gestora, destacando que a rede precisa de ampliação dos recursos porque já sofre dificuldade para cumprir as disposições do Plano Nacional de Educação (PNE) diante do orçamento atual.   

“Se retirar o fundo da forma como a gente concebe hoje essa fonte de financiamento, a educação pública brasileira para”, exclama.


 

Em busca da equidade

Especialistas apontam que um dos grandes predicados do fundo tem sido a redução das assimetrias regionais naquilo que se refere aos investimentos na rede de educação, historicamente marcada por um abismo entre os entes de menor e os de maior capacidade orçamentária. Operacionalmente, o Fundeb canaliza os recursos de acordo com a necessidade de cada estado ou município.

Por conta dessa lógica, a política foi capaz de ampliar em 413% o investimento mais baixo por aluno encontrado na rede pública do país. Cálculos feitos por especialistas da Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados em 2017 mostram que o Fundeb reduziu em 71% a desigualdade entre as redes. Com isso, vem contribuindo para equalizar as oportunidades e ajudando o país a buscar um padrão mínimo de qualidade no ensino. 

Remuneração

O Fundeb tem sido o oxigênio da política de remuneração do magistério. Concursada desde 2003, a professora Marilândia Alecrim dos Santos Vieira, da rede municipal de Campo Formoso (BA), conta que não sente saudades do período em que a educação pública ainda não podia contar com o fundo. Em um resgate de memória, ela narra que, em seus primeiros anos de atuação, muitos dos docentes viviam com um terço do salário mínimo.  

“Os salários eram tão baixos que o pessoal daqui do interior não tinha nem possibilidade de ir na sede pra sacar os salários. Juntavam três ou quatro pra custear a passagem de um, que ia sacar os salários dos demais”.

Com o financiamento da política, outro cenário foi se moldando com o tempo. Hoje, Marilândia conta com um salário que é 400% maior que o da época. Diante desse panorama, ela afirma que teve diferentes vantagens, entre elas uma maior disposição para se preparar para enfrentar a sala de aula.  

“[o novo salário] possibilitou que a gente saísse do aluguel e comprasse uma casa própria. Hoje tem a motivação de investir no conhecimento, no estudo, de se qualificar melhor. Já é possível também, mesmo que seja numa universidade particular, fazer uma especialização. O Fundeb faz muito a diferença”, ressalta, ao enumerar os ganhos.   


 

A professora Liliane Cristina Borges, que leciona na rede pública de Mato Grosso desde 1991, lembra que o fundo serviu de motor para a instituição do piso nacional do magistério, atualmente no valor de R$ 2.886,24. Além de elevar o patamar do pagamento dos professores, a medida deixou a categoria menos vulnerável às prioridades definidas por cada gestor para os investimentos a serem feitos na área. A professora observa que, com mais verbas destinadas ao setor, toda a cadeia de servidores que atuam na educação foi beneficiada.

“Antes do Fundeb, cada município e estado decidia o que pagava ou não para os seus servidores. Depois do fundo, que também vem instituindo igualdade de direitos pra todos os servidores que trabalham no chão da escola, passou a ser reajustado o salário segundo o piso nacional”.  

Avanço multilateral

Atuante na defesa da política, o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, frisa que, com todos os avanços apresentados, a política tem o poder de estender os ganhos a uma rede que vai além dos muros das escolas:

“Quando você melhora a escola, a educação e a formação daquele local, você vai melhorando também todo o IDH, a estrutura daquela cidade, com melhores profissionais, professores, jovens com educação mais de qualidade. Vira um efeito cascata que é bom pra todo mundo”.