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É possível construir a unidade entre as centrais sindicais sem abrir flancos para forças reacionárias?

Em entrevista ao Página 13,  a diretora da Confetam, Jandyra Uehara, aborda a construção da greve geral pelas centrais e expressa preocupação com a atual conjuntura sindical

Publicado: 03 Agosto, 2016 - 15h23

Escrito por: Página 13

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Jandyra Uehara é da direção da CUT Nacional

Servidora da Prefeitura de São Paulo, dirigente da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal (Confetam/CUT) e representante do Ramo dos Municipais na Central Única dos Trabalhadores, Jandyra Uehara é a única diretora nacional da CUT a integrar o Diretório Nacional do PT. Nesta entrevista ao Página 13, ela fala sobre os desafios da conjuntura, especialmente para o movimento sindical cutista. Confira! 

Página 13 - Como você avalia o governo Temer do ponto de vista dos direitos sociais, políticos e econômicos da classe trabalhadora?

Jandyra Uehara - Em apenas três meses, o governo golpista já mostrou claramente a que veio, a quem serve e o que pretende fazer para atender aos interesses do grande capital e dos demais patrocinadores da ofensiva neoliberal. Trata-se do retrocesso dos direitos conquistados há pelo menos 80 anos, desde a CLT, passando pelas principais conquistas da Constituição de 1988, os avanços dos dois governos Lula e do primeiro governo de Dilma. É sem dúvida a maior ofensiva contra a classe trabalhadora jamais vista neste país. De Getúlio a Lula e Dilma, tudo o que significa um mínimo de garantia de direitos econômicos, políticos e sociais está na mira dos golpistas. Rebaixamento dos salários, terceirização sem limites, o fim das mínimas garantias da CLT com o negociado prevalecendo sobre a Lei, ou seja, numa tacada só criar as condições para em poucos anos jogar a classe trabalhadora de volta ao passado, para uma situação existente nas primeiras décadas do século 20. A reforma da previdência é uma indecência, os ideólogos do mercado, com falsos argumentos, impõem a esta e às futuras gerações de trabalhadores e trabalhadoras a sustentação e a ampliação dos mega lucrativos negócios da previdência privada. A destruição do SUS e da perspectiva de construção de uma política de saúde pública universal, integral e generosa, que caminhe na contramão dos interesses privados, o estrangulamento das bases de financiamento da educação pública e de todas as políticas sociais, uma política de  ajuste fiscal sem precedentes através dos PLs 257 e 241, que se aprovados comprometerão os investimentos públicos por pelo menos duas décadas, atingindo sem exceção todas as políticas sociais e os direitos dos trabalhadores do setor público. E por fim, para atingir seus objetivos centrais, os golpistas precisam criar um ambiente ultraconservador, tirando da caldeira do neoconservadorismo a homofobia, o machismo, o racismo e propostas totalitárias como a tal “Escola sem Partido”.

P13 - A CUT decidiu fazer assembleias sindicais até o dia 31 de julho, assim como plenárias dos ramos e estaduais para debater com as bases o tema da greve geral. Já dá para fazer um balanço, mesmo que provisório desta discussão?

Jandyra Uehara - As CUTs estaduais, ramos e sindicatos seguem fazendo assembleias e plenárias, porém num ritmo aquém do necessário. Importantes ramos, a exemplo dos urbanitários --atingidos pela privatização do setor elétrico-- e da educação estão mais mobilizados, até porque os ataques do governo golpista estão explícitos, com a entrega do pré-sal e o retrocesso das bases de financiamento da educação, com os PLs 257 e 241, com a ofensiva reacionária sobre a Educação através de propostas como a “Escola Sem Partido” e a “ideologia de gênero”. O desemprego e a crise que atinge cruelmente o setor industrial urbano colocam dificuldades reais que não podem ser minimizadas, inclusive porque os trabalhadores identificam boa parte desta situação com a política de ajuste fiscal e de recessão aplicada por Levy em 2015. No entanto, esta situação só será superada com a convicção de que nenhum acordo por cima resolve esta situação, que é preciso persistir na mobilização, na luta de massas para preservar empregos e direitos.

P13 - Qual a expectativa da CUT para as campanhas salariais unificadas do segundo semestre?

Jandyra Uehara - As campanhas salariais do segundo semestre envolvem categorias importantíssimas tais como petroleiros, metalúrgicos, químicos, bancários, correios e diversas estatais. A perspectiva da CUT na unificação destas campanhas é -- para além das pautas de reivindicações específicas -- avançar na construção da greve geral, na conscientização e na mobilização de milhares de trabalhadores, mostrando que estão em perigo real e imediato os direitos econômicos, políticos e sociais.

P13 - A CUT tem buscado unificar sua ação com outras centrais sindicais. Como fazer isto sem rebaixar as bandeiras da Central?

Jandyra Uehara - Uma crescente mobilização da classe trabalhadora e a greve geral são os pontos chave para deter o maior assalto e retrocesso dos direitos duramente conquistados pela classe trabalhadora. Não temos dúvida de que a unidade da maioria da classe trabalhadora na defesa dos direitos ameaçados é fator decisivo para uma série de mobilizações e uma greve geral com potência para derrotar o governo golpista. Neste sentido é correto a CUT buscar a unidade com as demais centrais sindicais. O problema está em como fazer este movimento sem rebaixar as nossas bandeiras e dar espaço para que as forças reacionárias e golpistas presentes no cenário sindical façam o trabalho sujo de desmontar a mobilização e o processo de construção da greve geral. Alguém acredita que uma figura nefasta, aliada do governo golpista e fiadora dos ataques como Paulinho da Força irá construir a greve geral ou mobilizações contra o governo golpista e a contra a retirada de direitos? A exemplo do que aconteceu nas mobilizações contra a terceirização e o PL 4330, é preciso ganhar a consciência da maioria das bases sindicais e sociais acerca da necessidade da greve geral para deter a retirada de direitos. As centrais pelegas, ressalto, assim como concretamente aconteceu na luta contra a terceirização, devem ser levadas a tomar uma posição por pressão da base, a partir de uma forte movimentação sindical e social pela greve geral. Neste sentido, é muito importante que o tema da greve geral também seja pautado pelos movimentos populares da Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo. Evidente que quem convoca greve geral são as centrais sindicais e que este papel é insubstituível, mas é fundamental o papel que os movimentos populares podem cumprir na construção do ambiente político e de mobilização social pela greve geral. A CUT não deve ter ilusões com a burocracia sindical pelega e golpista, cuja verdadeira intenção é “negociar” direitos inegociáveis no pior sentido que este termo possa ter, e de preferência fazê-lo envolvendo a CUT e outras centrais que se levantaram na luta contra o golpe. A CUT não pode cair nesta armadilha, e neste sentido foi um “ponto fora da curva” na trajetória da luta que a CUT vem protagonizando contra o Golpe e em defesa dos direitos, o ato realizado em conjunto com as demais centrais no dia 26 de julho. Como não poderia deixar de ser, a julgar pela participação do golpista Paulinho da Força, saiu dali um documento fraco, genérico, sem reivindicações concretas, nenhuma palavra sobre greve geral ou em defesa da democracia. Mas “um ponto fora da curva” numa conjuntura tão complexa e cheia de contradições não significa, de modo algum, um afrouxamento da CUT na luta pelo Fora Temer e por nenhum direito a menos. A julgar pelos balanços que tem sido feitos no interior da CUT sobre esta iniciativa, acredito que isto não afetará o caminho da luta de massas e da greve geral.

P13 - Explique para nós o que é o Dia Nacional de Assembleias da Classe Trabalhadora?

Jandyra Uehara - De acordo com a resolução da direção executiva do dia 5 de julho, o Dia Nacional de Assembleias -- assim, no plural  -- da Classe Trabalhadora deverá acontecer em todos os estados, buscando a unidade com as demais Centrais, em torno da defesa de direitos e com base numa pauta concreta de exigências e reivindicações. Nestas assembleias também se deverá discutir a mobilização para a greve geral, bem como fazer o indicativo de data. Neste ato das Centrais do dia 26 de julho, encaminhou-se a realização de um dia nacional de mobilização e luta contra o desemprego e pela garantia de direitos, a ser realizado em todo o Brasil no dia 16 de agosto. Ou seja, o dia nacional de assembleias da classe trabalhadora com o sentido e a direção aprovados na CUT ainda está por vir.

P13 - Dois cenários: com e sem impeachment. Em cada um destes cenários o que a CUT deve fazer?

Jandyra Uehara - Se consumado o golpe, com o impeachment da presidenta Dilma, a CUT deve abrir um debate sobre o quê fazer para abreviar o governo ilegítimo do golpista. Nos dois cenários, obviamente com táticas diferenciadas para cada situação, que são qualitativamente diferentes, a CUT deve apostar todas as suas fichas na luta de massas, na reconstrução dos laços da classe trabalhadora com um projeto reformas democráticas, populares, anticapitalistas e com perspectiva de luta pelo socialismo. Isto é estratégico, pois é a única forma de alterar a correlação de forças desfavorável a classe trabalhadora na atual conjuntura da luta de classes.

P13 - Uma última pergunta: você acredita que os sindicalistas cutistas que são petistas vão participar ativamente do Encontro que o PT está convocando para dezembro deste ano?

Jandyra Uehara - No V Congresso do PT, em julho de 2015, os cutistas petistas tiveram um papel muito importante, apresentando de forma unificada o Manifesto “O PT de volta para a classe trabalhadora”. Foi este documento, com a proposição da necessidade do PT defender claramente mudanças na política econômica do governo Dilma, que provocou o debate político fundamental daquele congresso. Infelizmente, a proposta foi derrotada por pequena margem e a omissão e titubeios do Partido frente a política econômica desastrosa e antipopular de Levy, não foi obviamente  o principal fator, mas contribuiu para acelerar a ofensiva da direita e afastar a classe trabalhadora da defesa da democracia. Para os cutistas, a luta pela democracia e por outra política econômica sempre foram indissociáveis, contrapondo-se à política de setores dentro do PT e da esquerda, que privilegiavam a luta democrática desprovida de conteúdos da luta econômica. No Encontro que o PT realizará em dezembro será muito importante que os cutistas petistas façam o esforço político de encontrar convergências para a atualização e aprovação do espírito contido no Manifesto “O PT de volta para a classe trabalhadora”.