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Como a Participação Social fortalece a democracia

Processos participativos como o proposto no decreto de Dilma produzem resultados positivos na atividade governamental

Publicado: 27 Junho, 2014 - 00h00

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A polêmica sobre o decreto Nº 8.243, que institui a Política Nacional de Participação Social (PNPS), se estendeu nas últimas semanas e alguns colunistas mais conservadores se apressaram na interpretação de dados a respeito do funcionamento de espaços de participação social. Questionavam se estes de fato contribuem para o aprofundamento da democracia brasileira.
Resultados de pesquisas sugerem, na verdade, estar em curso um adensamento democrático no País associado à melhoria do desempenho das políticas públicas.
Se inicialmente esses colunistas demonstravam estranhamento em relação a espaços de participação social como conselhos, agora têm reconhecido que o decreto não institui a criação de nenhuma nova instância de participação. Todas as instâncias citadas – conselhos, conferências, audiências públicas, consultas, ouvidorias, mesas de diálogo – integram as práticas da administração pública brasileira há várias décadas.
Em 1911, por exemplo, foi criado o Conselho Superior de Ensino (Decreto nº 8.659, de 05/04/1911), o qual passou por várias reformulações ao longo dos anos, resultando no atual Conselho Nacional de Educação, instituído pela Lei 9.131, de 25/11/1995. As conferências nacionais, por sua vez, surgiram durante o Estado Novo e se consolidaram como espaços de participação após a Constituição de 1988.
Há muita história de participação social por trás da Política Nacional de Participação Social, o que tornou o Brasil uma referência internacional em democracia participativa, recebendo prêmios e sendo objeto de interesse e inspiração para vários países.
Tal admiração deriva em grande parte dos resultados positivos que a incorporação de processos participativos produz na atividade governamental e na gestão de políticas públicas. Um volume expressivo de estudos tem se dedicado a avaliar a operação e os efeitos de processos participativos como conselhos, conferências e formas de participação no orçamento público, dentre outros.
Diversos autores já demonstraram que esses espaços de participação permitem a incorporação de uma pluralidade de atores sociais nos processos decisórios sobre as políticas, não se restringindo apenas aos grupos sociais com influência sobre os atores políticos tradicionais. Por exemplo, um estudo sobre conselhos municipais de saúde e assistência social avaliou a influência de “usuários” nos debates e decisões em um conjunto de municípios nordestinos.
Outras pesquisas indicaram efeitos das instituições participativas sobre o desempenho de governos e suas políticas. Descobriu-se que municípios com experiências de orçamento participativo tiveram menos indícios de práticas graves de corrupção. Além disso, municípios com conselhos e conferências ativos em diversas áreas temáticas apresentavam resultados sistematicamente melhores, do que seus pares com estrutura participativa deficiente, no que diz respeito ao gasto e à oferta de serviços públicos nas áreas de saúde, educação e assistência social.
Conselhos e conferências nacionais têm tido impactos importantes na definição de políticas nacionais, como a definição de planos em alguns setores, revisões de normas de operação de sistemas nacionais, criação de programas e fiscalização de recursos públicos. Pesquisas também identificaram correlações importantes entre as deliberações produzidas nas conferências nacionais e a agenda legislativa do Congresso Nacional, sugerindo a importância desses processos participativos na tomada de decisões sobre políticas públicas em nível nacional.
Apesar dos resultados positivos já identificados, ainda existe um conjunto de aperfeiçoamentos necessários para que esses processos de fortalecimento da democracia e de melhoria das políticas públicas via participação social sejam consolidados. Esse é exatamente o objetivo do decreto que institui a Política Nacional de Participação Social. Várias das limitações presentes dizem respeito ao funcionamento dos conselhos e comissões de políticas públicas, que têm sido os principais alvos de crítica e controvérsia.
Abaixo, uma breve análise de algumas questões da Política Nacional de Participação Social:
Sobre a composição dos conselhos:
Críticos à Política Nacional de Participação Social afirmam que os conselhos serviriam para a participação de organizações simpatizantes ao governo. Essa afirmação não é corroborada pela realidade. Existe, na verdade, uma pluralidade de organizações presentes nesses espaços que representam muitas vezes perspectivas distintas. Estão presentes sindicatos, associações profissionais, organizações de defesa de direitos, ambientalistas, movimentos sociais e setores empresariais.
Além de movimentos populares, integram conselhos e comissões entidades como a Confederação Nacional das Indústrias – CNI (integra vários conselhos nacionais); a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional – ANPUR (Conselho das Cidades); a Associação Nacional dos Produtores de Camarão – ABCC (Conselho de Aquicultura e Pesca); a Associação Brasileira de Resorts (Conselho Nacional de Turismo). Dizer que todas elas são simpatizantes do governo seria bastante leviano.
Sobre os critérios de escolha de representantes:
A diversidade da composição, além de já ser realidade nos conselhos existentes, é também regulamentada no decreto. Ao estabelecer, nos artigos 10 e 11 inciso III, a observância de “Garantia da diversidade entre os representantes da sociedade civil”, a Política Nacional de Participação Social determina que os conselhos devem garantir que representantes das mais diversas áreas interessados no tema estejam presentes nos conselhos, trazendo suas demandas. A “rotatividade dos representantes da sociedade civil”, presente no artigo 10, inciso V, e no artigo 11, inciso III, visa lidar com o possível problema de permanência das mesmas organizações no interior dos conselhos e comissões.
Sobre a transparência:
O decreto também orienta que os conselhos e comissões possuam critérios transparentes de escolha de seus membros. Isso significa que nenhum ministro ou presidente poderá escolher quem faz parte dos conselhos sem ao menos deixar claro o motivo da escolha. A regulamentação é necessária para tornar visível a todos na sociedade quem dialoga com o governo.
Sem esse tipo de regulamentação, quem tem esse poder é quem fala mais alto ou quem tem mais recursos para bancar lobistas que negociam com o governo a portas fechadas. Por isso, a intenção do decreto é permitir que a escolha seja feita de forma mais justa e possa ser fiscalizada por um maior número de pessoas, conforme o inciso IV, também nos artigos 10 e 11, que determina o “estabelecimento de critérios transparentes para escolha de seus membros e publicidade de seus atos: tornando esses processos mais transparentes.”
Sobre as atribuições dos conselhos:
O argumento de que as atividades dos conselhos interfeririam em atividades que são de competência do poder legislativo também não se ancora na realidade. Atualmente, o que os atos de criação e regulamentação dos conselhos preveem é que eles podem:
1) apontar diretrizes;
2) assessorar tecnicamente o governo;
3) coordenar e articular ações;
4) monitorar e fiscalizar políticas;
5) normatizar políticas;
6) orientar setores do Estado e da sociedade sobre a política.
Nenhuma dessas atribuições confronta as prerrogativas legislativas. Qualquer ação que necessita de aprovação do Congresso não pode ser decidida em um conselho. Nesses casos, a única ação que o conselho pode fazer é posicionar-se politicamente indicando qual direção apoia.
Espaços de participação como os conselhos e comissões são fundamentais para o aprofundamento da democracia no Brasil na medida em que permitem que os cidadãos tenham canais de diálogo com o Executivo federal e monitorem as atividades da administração pública e toda forma, há ainda a necessidade de aperfeiçoá-los para que se tornem mais acessíveis e efetivos.
É exatamente para isso que serve a Política Nacional de Participação Social: estabelecer regras mínimas para o funcionamento desses espaços de diálogo, com vistas a tornar o acesso a eles mais transparente e democrático.
Roberto Rocha C. Pires é PhD em Políticas Públicas pelo Massachusetts Institute of Technology; Isadora Araujo Cruxên é Cientista Política pela Universidade de Brasília.; Joana Alencar é Cientista Política pela Universidade de Brasília; Paula Lima é mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília. Todos são pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mas as opiniões expressadas aqui são estritamente pessoais e não refletem nenhuma opinião ou posição institucional.
Fonte: Carta Capital