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Brechas na lei de migração facilitam a prática de trabalho escravo por empresas no país

Especialistas defendem regularização imediata dos migrantes e combate a modelos degradantes de contratação

Publicado: 04 Junho, 2014 - 00h00

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Na falta de regularização adequada dos migrantes que chegam ao Brasil, algumas empresas enxergam brechas para explorar esses trabalhadores. A afirmação é do procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) em Rondônia e Acre, Marcos Gomes Cutrim.
Segundo ele, existem 51 investigações em curso no Brasil sobre as formas de contratação irregular de estrangeiros que se encontram em abrigos, das quais duas se referem a senegaleses e 49 a haitianos.
De acordo com Cutrim, o primeiro vídeo que chegou ao MPT, em 2012, se referia a seleção de imigrantes para um frigorífero de Rondônia. “Queriam contratar haitianos pela espessura da canela. Recebemos informações que alguns foram contratados pelo tamanho da genitália. Segundo as empresas, em relação às mulheres a contratação é mais dificultada porque elas são de difícil relacionamento, o que demonstra uma parcela da discriminação que sofrem”, explica.
Dados do Ministério da Justiça, desde o terremoto que atingiu o Haiti, em 2010, até o final de 2013, mais de 21 mil haitianos conquistaram o visto humanitário para vir ao Brasil.
As informações apresentadas pelo órgão na 1ª Conferência Nacional sobre Migrações e Refúgio (Comigrar), nos últimos dias 30, 31 de maio e 1º de junho, em São Paulo, não representam, porém, o contingente total de pessoas daquele país que chegaram ao território brasileiro.
Isso porque, segundo um estudo conjunto da PUC, Ministério do Trabalho e Emprego e da Organização Internacional dos Migrantes, entre 2010 e 2014, a rota até o Brasil se dá de duas maneiras.
A mais rápida é justamente a irregular, com um custo de até seis mil dólares, porém, segundo os haitianos ouvidos na pesquisa, garante um abrigo e a documentação logo na chegada, além de ser mais rápida: todo o processo demora, na maior parte das vezes, 15 dias.
Já por meio do visto humanitário, a demora é de até seis meses e, por conta da burocracia, essa saída se torna menos atrativa aos haitianos que acabam recorrendo aos atravessadores, os chamados “coiotes”.
Trabalho escravo

Segundo a assessora da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, Judith Cavalcanti Santos, a migração é um direito humano e é preciso regulamentação adequada, inclusive para que a incidência de trabalho escravo seja menor. “Não dá para vitimizar o migrante e essa é uma questão que precisa ser abraçada e combatida pelo Estado”, diz.
Judith explica que a violação de direitos ocorre com trabalhadores brasileiros e estrangeiros, mas existem diferenças. “Com relação aos imigrantes, temos tido dificuldade e limitação nos dados. Os números que temos são dos que foram resgatados. Porque quem vem com documentos sem regularizar já são chamados de ‘ilegais’ e os empregadores usam isso para controlá-los. Eles dizem: - olha, se você não fizer o que eu peço e cumprir com determinadas coisas você vai ser denunciado, preso ou vou te mandar embora”, relata.
Alguns dos casos mais graves que encontrou, observa o procurador Marcos Cutrim, referem-se à empresa multinacional Anglo American. “Resgatamos 100 haitianos na indústria de minérios, em Minas Gerais. Eles foram encontrados em condições degradantes de trabalho. Encontramos ali também a questão da terceirização, alojamentos precários e servidão por dívidas”, conta.
Outro resgate também de haitianos ocorreu em Cuiabá, em obras do PAC, onde 21 trabalhadores que estavam há dias sem receber salários, em péssimos alojamentos e sem condições de sobrevivência foram libertados.
Responsabilização das empresas
A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT) de São Paulo Christiane Nogueira acredita que para qualquer caso de trabalho escravo é importante que se chegue ao destinatário final da cadeia produtiva. “Parar na responsabilização do intermediário é muito pouco. Sabemos que trabalho escravo é lucro e tem alguém muito maior por trás”.
Dados divulgados pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta afirma que 21 milhões de pessoas são exploradas em todo o mundo. O trabalho escravo rende cerca de US$ 150 bilhões de lucro ao ano.
Uma vez que a empresa é flagrada no Brasil é inscrita na lista suja do Ministério do Trabalho e Emprego e pode não obter financiamentos públicos.
No caso das terceirizadas, explica o procurador Marcos Cutrim, o que se tem feito é tentar responsabilizar não só a empresa que intermediária, mas a responsável pelo empreendimento – ou seja, aquela que no final das contas se beneficia dessa prática trabalhista.
Christiane relata o que ocorreu com a construtora OAS, obrigada a firmar acordo judicial com o MPT, no final do ano passado, por manter trabalhadores do Aeroporto de Guarulhos em situação análoga a de escravidão. “A empresa se comprometeu ao não mais realizar aquele tipo de exploração e teve que pagar R$ 15 milhões por dano moral coletivo. Eram mais ou menos 120 trabalhadores que estavam vivendo em alojamentos precários, em péssimas condições”.
Em São Paulo, as situações costumam ocorrer com sul-americanos. “Principalmente bolivianos e peruanos são os explorados pela indústria da moda. Trabalham em pequenas oficinas de costura que fornecem para confecções e essas, por sua vez, são as fornecedoras das grandes grifes. Eles moram no mesmo local de trabalho e as crianças brincam nas oficinas, expostas ao perigo, sem condição de higiene, de fiação elétrica e sem equipamentos de produção individual”, afirma a procuradora.
PEC do trabalho escravo
Sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 57A, a chamada PEC do Trabalho Escravo, que tramitou durante 15 anos no Congresso e foi aprovada por unanimidade no Senado, no último dia 27 de maio, Christiane afirma que é importante que junto com a expropriação das terras urbanas ou rurais em que houve exploração de trabalho escravo, sem indenização, seja mantido o conceito de trabalho escravo. “Isso consta do artigo 149 do Código Penal e o Brasil é referência nesta luta. Esse conceito inclui restrição de liberdade, condições degradantes e jornada exaustiva”.
Para a procuradora, se houver modificação desse conceito isso representará um retrocesso. “Precisamos garantir a proteção dos direitos humanos no Brasil. É inaceitável que exista qualquer alteração nisso”.
Judith afirma que o esforço das entidades da sociedade civil é para que não haja diminuição no que se estabeleceu como direito. “Queremos consolidar o que o Brasil tem defendido internacionalmente. Partimos do pressuposto de que o empresariado terá que se adequar às legislações vigentes no país e para os maus empregadores não basta nada mais do que a lei.”
Fonte: CUT Nacional