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Artigo

Mudar o mundo a partir da aldeia. A cidade é do povo. É da cidadania.

Publicado: 23 Fevereiro, 2016 - 00h00

O Brasil possui 5.570 municípios. Mais de 90% da população está na área urbana. São Paulo, com quase 12 milhões de habitantes, possui população maior que a de vários países. Alguns outros municípios possuem grandes extensões territoriais, como Altamira no Pará. Com seus 159,5 mil Km², é maior que os estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe juntos, e quase duas vezes maior que Portugal.

A Constituição Federal de 1988 reconheceu o município como ente da federação, inserindo-o na organização político-administrativa do Estado. Os municípios passaram a ter competências constitucionais específicas, e algumas em comum com a União, com os estados, como a política ambiental.

Há competências concorrentes: a União edita normas gerais; estados, Distrito Federal e municípios suplementam essas regras e as adaptam às peculiaridades locais. Exemplo: a legislação sobre orçamento.

As competências privativas dos municípios estão no Artigo 30 da Constituição Federal – legislar sobre assuntos locais; instituir e arrecadar tributos; prestar serviços públicos de interesse local, como o de transporte coletivo – de caráter essencial; manter, com a cooperação técnica da União e do Estado, programas da educação infantil e do ensino fundamental; prestar, com a colaboração da União e do Estado, serviços de saúde; promover o ordenamento territorial e a proteção do patrimônio histórico-cultural local.

Porém, a grande maioria dos municípios brasileiros possui estruturas administrativas pouco organizadas e com recursos financeiros, logísticos e humanos restritos. As escassas possibilidades de geração de receitas próprias os tornam dependentes das transferências dos governos estaduais e federal, limitando suas ações para a promoção do desenvolvimento local e a valorização de seus profissionais.

Sem a realização de reforma agrária e com um projeto que estimula o consumo de bens duráveis e concentra nos municípios a oferta de serviços básicos e programas assistenciais, as cidades se tornaram uma possibilidade de uma vida melhor. Coerente com o processo de segregação, os brasileiros com menor renda foram empurrados às periferias, sem possibilidade de inserção efetiva à cidade.

Para os expulsos dos centros economicamente viáveis, sobram as terras não regularizadas, os espaços precários nas periferias, os locais de risco, os loteamentos irregulares. Fora dos mapas e dos cadastros, não se beneficiam dos serviços públicos essenciais, como luz, água e saneamento.

Consequências: baixa qualidade de vida, violência, déficits habitacionais e de infraestrutura, enchentes, desmoronamentos com mortes, desmatamentos, ocupação de Áreas de Proteção Permanente, poluição, congestionamentos, crescimento da população moradora de favelas, aumento da segregação, estresse, depressão, individualismo, competição.

Conquistas recentes: criação do Ministério das Cidades, promulgação do Estatuto das Cidades, aprovação dos marcos regulatórios do saneamento, dos resíduos sólidos, aprovação de Planos Diretores, retomada das políticas de habitação e saneamento.

Exemplo de ação governamental importante para desenvolvimento municipal: Programa Territórios da Cidadania, que agrupa municípios próximos e com características similares, para promover o desenvolvimento econômico e universalizar programas básicos de cidadania por meio de uma estratégia de desenvolvimento territorial sustentável.

Outro exemplo: Programa de Aquisição de Alimentos promove o acesso à alimentação e incentiva a agricultura familiar. Estimulou a Lei 11.947/2009, que determina que no mínimo 30% do valor repassado a estados, municípios e Distrito Federal pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação para o Programa Nacional de Alimentação Escolar seja utilizado na compra de gêneros alimentícios da agricultura e do empreendedor familiar.

O Brasil está comprometido com a promoção dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, definidos pela ONU em 2015 para os próximos 15 anos, a serem implementados com o engajamento dos municípios. Garantem direitos de educação, transporte, lazer, saúde, alimentação, saneamento, acessibilidade, igualdade. Destaca-se o objetivo 11, que exige maior protagonismo dos governos locais.

Os desafios exigem coragem para implementar as mudanças que garantam moradia digna em locais regularizados; habitação, emprego, mobilidade urbana, lazer, ambiente saudável, trabalho; acesso aos serviços para quem mora no campo; vida digna e bem-estar a todo(a)s; exercício pleno da cidadania. A lógica do poder voltado para o interesse público.

A aposta precisa ser na democracia participativa, que promova e valorize a comunidade. O chão para esse exercício é o município, que tem poder para, a partir do fortalecimento local, se transformar em indutor de políticas públicas para outras esferas.

O Brasil possui conhecimento técnico, experiência profissional acumulada, planos e leis que regulam a implementação de um desenvolvimento sustentável para a maioria da população. Os trabalhadore(a)s municipais, para atenderem a população de forma adequada, precisam ser valorizados e qualificados para que essa atenção seja aprimorada.

As próximas eleições para prefeitos e vereadores dizem respeito ao poder local. É hora de avaliar propostas e cobrar compromisso com a justiça e a igualdade dos cidadãos, para que se efetive a cidadania nas cidades. O princípio é de que, para mudar o mundo, temos que começar mudando a própria aldeia. Ou seja, a partir do município, construir esse outro mundo possível, com dignidade e cidadania.

Publicado originalmente na Revista Xapuri – Ed. 16, de fevereiro de 2016